A Universidade de São Paulo, campus Butantã, desde o início desta semana, vem servindo de cenário para insólitas operações da Polícia Militar. Por pelo menos três dias, contingentes de policiais armados, colocaram-se a entrada de prédios de seus órgãos administrativos, faculdades, institutos, museus e bibliotecas. Essas operações seguem a execução de um pedido de reintegração de posse por parte da Reitoria da USP. Em nota, a medida é justificada sob o argumento de que o “funcionamento da universidade” teria sido transtornado por ações “isoladas”, “tumultuosas” e “violentas” de obstrução do acesso a prédios da universidade por “piquetes”, atribuídas a um “grupo de servidores”. A Reitoria, então, reivindica a sua responsabilidade em manter a regularidade do funcionamento da universidade.
O Sindicato dos Trabalhadores da USP, em comunicado publicado no mesmo dia, respondeu à nota da Reitoria contestando as descrições e qualificações dadas às manifestações de seu movimento que, atualmente, encontra-se em greve, conjuntamente com os funcionários da UNICAMP, em prol de uma lista de reivindicações que eles não julgam contempladas pelas propostas do Cruesp. O SINTUSP afirma que nos acessos aos prédios citados só havia faixas com os dizeres “Estamos em Greve” e, em algum deles, encontravam- se também “Comissões de Orientação e Esclarecimentos”, compostas por funcionários das respectivas unidades que lá estavam por deliberação da assembléia dos funcionários da USP. As ações do movimento teriam sido todas baseadas em “decisões legitimadas em reuniões de unidades e assembléias gerais da categoria”.
Fotos de batalhões policiais armados na USP colocam, agora, de maneira emblemática e à vista de todos, a cultura política vigente na atual estrutura de poder da USP diante das reivindicações da comunidade acadêmica. Emblemáticas porque condensam em imagem uma série de outras medidas que compõem um movimento mais amplo de avanço de forças reacionárias às demandas de democratização da universidade. Nesse sentido, basta lembrar que das últimas nove reuniões do Conselho Universitário (Co), cinco foram realizadas em área militar (IPEN), sob forte esquema de segurança. Some-se a isso, que tais reuniões foram marcadas por graves problemas na convocação da representação discente e de servidores, além de violações a normas regimentais, principalmente no tocante ao procedimento das votações. A recorrência desses fatos e as suas conseqüências extremamente anti-democráticas levaram a APG-USP/Capital a recorrer à Justiça, impetrando um mandado de segurança pedindo a anulação da reunião em que foi aprovado o orçamento da universidade para 2009.
Há ainda de se elencar o novo plano de segurança da USP, orçado em mais de 2,5 milhões de reais, tocado pelo ex-prefeito do campus, prof. Adilson Carvalho. Em reportagem de uma revista semanal, em que é fotografado ao lado de uma central de monitores de televisão com imagens da universidade e apelidado de o “xerifão do campus”, ele declara: "Apesar de muitos estudantes afirmarem o contrário, a polícia entra na USP sempre que é chamada". Em outra reportagem, esta publicada no Jornal do Campus, instado a comentar a suspeita de um estudante de que o sistema de câmeras de segurança pudesse se reverter em “uma forma de vigiar o movimento estudantil", o Prefeito nega, mas relativiza: "Elas vão ser usadas, claro; para identificação quando houver excessos." As recentes políticas de segurança da USP precisavam de um esclarecimento: a presença da polícia no campus são necessários diante dos problemas enfrentados pelos freqüentadores da Cidade Universitária ou são instrumento de investigação e perseguição política? Contudo, infelizmente, não foi nos dada a oportunidade de ouvir as razões da Prefeitura do Campus, que negou o pedido de audiência pública feito formalmente pela APG-USP/Capital, em Conselho Universitário realizado no dia 30 de setembro de 2008.
Podemos ressaltar, ainda, as sindicâncias sofridas por alunos que participaram da ocupação da reitoria de 2007; as diversas restrições, por parte dos órgãos administrativos da universidade, ao uso dos espaços do campus pelos estudantes e suas diversas entidades; a invasão da Faculdade de Direito do Largo São Francisco pela Tropa de Choque em agosto de 2007; a implantação de catracas; a censura realizada diretamente pela reitoria ao STOA (fórum digital da USP); as demissões sumárias de servidores e diretores de sindicato dentro da universidade. Poderíamos continuar listando inúmeras outras manifestações da atual política vigente na USP, porém preferimos voltar nossa atenção ao movimento mais amplo a que todas elas remetem.
Em 2007, começou a transcorrer nos Conselhos Centrais da USP a discussão sobre a reforma do Estatuto da USP. As forças do movimento pela democratização da universidade –representadas pelo movimento de estudantes, professores e servidores técnico-administrativos– encontrava-se, então, completamente alijado do processo de discussão da reforma do Estatuto. A principal conquista do movimento de ocupação da reitoria de 2007 foi o compromisso, por parte da reitoria, de realização do V Congresso da USP, que acabou sendo agendado para maio de 2008. Esse movimento voltou para o V Congresso as suas esperanças de se articular em torno de um projeto concebido democraticamente por todos os segmentos da universidade, conseguindo, assim, disputar o processo de reforma do estatuto da USP, já em curso naquele momento. Na melhor das hipóteses, ganharia força o projeto de uma estatuinte democrática. Como bem se sabe, o V Congresso não se realizou porque a reitoria não liberou, em sua totalidade, o segmento dos funcionários. A não-realização do V Congresso foi a senha para que os grupos descontentes com as conquistas do movimento de ocupação da reitoria e, mais particularmente, com a idéia de se ampliar a discussão da reforma do estatuto, avançasse para estabelecer a sua hegemonia política dentro da universidade. O marco –não só simbólico, mas também jurídico– desse acontecimento foi o Conselho Universitário extraordinário do dia 28.05.08, o primeiro a ser realizado no IPEN, com graves problemas na convocação da representação discente e dos funcionários.
A pauta se resumia à discussão de um parecer elaborado pela Comissão de Legislação e Recursos (CLR) do Co respondendo a uma consulta, a posteriori, sobre um pedido da Reitoria da USP pela entrada da polícia militar no campus. O prédio da reitoria encontrava-se, naquele momento, obstruída por manifestantes que reivindicavam o agendamento de uma nova data para a realização do V Congresso, desta vez, com a previsão expressa de liberação dos funcionários. A relatoria do parecer foi feita pelo presidente da CLR, prof. João Grandino Rodas. O parecer não só respaldava a medida da Reitoria, como insinuava que houve etapas desnecessárias para se chegar a ela, como a do diálogo: “...houve um pedido escrito e oficial de desobstrução, entretanto, essa desobstrução (acredito que aqui a referência seja na verdade ao pedido de desobstrução) não se fez antes de possibilitar o diálogo, coisa que nem seria necessária – um diálogo nas circunstâncias, justamente porque a obstrução não tem fundamento, em absoluto, ela é ilegal por natureza”. Havia também o diagnóstico de que vigeria na universidade uma “tradição de uma benevolência exagerada”, remontando talvez “algumas décadas”, que comprometia o funcionamento da universidade. Na parcela mais jurídica do parecer, ponderava-se que a necessidade da constância no funcionamento da universidade estava prevista em lei e que a prerrogativa de assegurá-la era função da reitora. O argumento chega a soar, ao menos para quem lê a ata da reunião, quase como uma ameaça: “deve existir, sob forma de responsabilização, um rigor no cumprimento do calendário, ou seja, da não obstrução dos órgãos centrais da Universidade”. A responsável, neste caso, seria a Reitora que por ser “a autoridade administrativa máxima... é responsável legalmente pelo que faz e pelo que deixa de fazer....”.
Mesmo professores com uma história recente de fortes atritos com o movimento estudantil e dos servidores, mas minimamente zelosos pela tradição democrática dentro da universidade, diante do precedente que estava prestes a ser a aberto – cuja conseqüência não era outra que a legitimação da entrada da polícia no campus – fizeram falas no sentido de tentar adiar a votação do parecer da CLR. No entanto, o parecer foi colocado em votação e aprovado por ampla vantagem. Desde então, a cultura universitária do diálogo, da crítica, da manifestação e da discussão está em xeque, podendo ser suspensa quando, oportunamente, forem verificados “excessos”, bastando um chamado para o uso da força e da intimidação armadas. Os episódios desta semana são prova disso.
Na já mencionada nota da reitoria a respeito da ocupação militar desta segunda, a referência ao parecer de março do ano passado da CLR é patente, ao invocar a “responsabilidade de garantir o funcionamento da universidade”. Queremos deixar claro que não estamos fazendo, aqui, a insinuação de que a reitora esteja agindo como está agindo por estar sendo pressionada a tomar esta atitude. Afinal, se o constrangimento for efetivo há sempre a possibilidade de se renunciar ao cargo. Contudo, a forma como a reitora rifou as forças mais democráticas que lhe ajudaram na eleição, depois de se julgar assegurada no cargo, apontam que dificilmente há qualquer crise de consciência nas medidas que vêm sendo tomadas.
Para nós da APG-USP/Capital, somente uma idéia bastante prejudicada de universidade pode levar a acreditar que seja possível assegurar o seu “funcionamento” através do medo e do constrangimento, físico ou moral, imposto por uma força policial armada nas suas dependências. Um juízo desses chega ao mínimo possível da escalada em que foi reduzindo vertiginosamente o âmbito do que é o “funcionamento da universidade”. Essa idéia é a expressão mais dramática do patamar medíocre em que se encontra, para alguns, a discussão sobre o que significa o “funcionamento da universidade”. Para os que prezavam o sentido de uma cultura universitária, está claro que nos últimos anos abriu-se mão da interação com a comunidade a sua volta, da convivência em seus espaços, , do seu lugar como espaço público e cultural da cidade em nome do “funcionamento da universidade”. No momento, vemos aonde chega esta concepção: o “funcionamento da universidade” seria a mera conservação vegetativa de seu metabolismo burocrático; uma estrutura de poder que só se mantém em pé porque se assenta sobre um pesado jogo de interesses, que se fosse minimamente legitimado pela comunidade uspiana não precisaria fazer a USP amanhecer tomada, em seus diferentes institutos, por centenas de policiais armados.
Também é nossa convicção que a principal carência para garantir o funcionamento da nossa Universidade – pensado aqui em uma chave que faça jus à pluralidade de manifestações políticas, artísticas e culturais que, aliada à prática científica, deve definir uma instituição universitária – não é a tropa de choque, mas uma radicalização da democracia na sua estrutura de poder.
Coordenadoria da APG-USP/Capital, 4 de junho de 2009
"Em nota, a medida é justificada sob o argumento de que o “funcionamento da universidade” teria sido transtornado por ações “isoladas”, “tumultuosas” e “violentas” de obstrução do acesso a prédios da universidade por “piquetes”, atribuídas a um “grupo de servidores”"
ResponderExcluirEu, por acaso, pude observar com meus próprios olhos que isso foi a mais pura verdade. Logo, esse texto todo é a mais pura perda de tempo.
Parem de servir como massa de manobra de terceiros e vão estudar.
Abraços.
João